Um artigo recente em Christianity Today destacava a manchete: “Protestantes: Os Mais ‘Católicos’ dos Cristãos”. Com uma sobrancelha levantada, eu cliquei no link, imaginando o que poderia suportar uma afirmação tão audaciosa. Acabou que o artigo estava promovendo a nova Confissão Católica Reformada, que se descreve como uma “mera declaração de fé protestante para comemorar o 500º aniversário da Reforma”. A declaração atualmente orgulha-se de ter 700 assinaturas de pastores protestantes e acadêmicos.

A ideia é invenção original do filósofo cristão Jerry Walls, que trabalha para lançar um livro, em que é co-autor, chamado “Roman but not Catholic: What Remains at Stake 500 Years after the Reformation” (Romano mas não Católico: O que permanece em questão/disputa 500 anos depois da Reforma). Uma descrição na contracapa diz que ele é “Uma Crítica do Catolicismo Romano em Defesa da Fé Católica”.

Se a sua cabeça está girando, deixe-me tentar pô-la em ordem.

Protestantes católicos?

O que Walls e os outros signatários da “Confissão Católica Reformada” afirmam é que o Protestantismo não deve ser pensado como uma coleção anárquica de denominações em discussão. Com certeza há denominações que discordam entre si sobre doutrinas e disciplinas, mas eles afirmam que isso envolve somente “questões não essenciais”. Em vez disso, as igrejas protestantes compartilham uma coleção de crenças universais que representam a “fé católica” do Novo Testamento, em contraste com as tradições humanas da “Igreja Católica Romana”.

Contudo, o método do grupo de provar a “catolicidade” do Protestantismo cai vitima da “falácia do pistoleiro habilidoso do Texas” (Texas sharpshooter fallacy). Isso ocorre quando uma pessoa ignora as diferenças em um conjunto de dados e simplesmente foca nas similaridades, definindo limites arbitrários. O nome é oriundo de uma piada sobre “o melhor pistoleiro no Texas” que, atirando aleatoriamente ao lado de um celeiro, pinta o centro dos alvos ao redor de cada um dos buracos de bala, regozijando-se: “um tiro perfeito toda vez!”.

É fácil acertar seu alvo quando você define o que quer que você atinja como “o alvo”. Da mesma forma, a “Confissão Católica Reformada” somente prova que os Protestantes estão unidos em questões essenciais de sua fé por que eles definiram “questões essenciais” como aquelas coisas sobre as quais eles concordam. Isso inclui a Trindade, o sola scriptura (somente a Escritura), a sola fide (somente a fé), a natureza caída do homem e a necessidade do sacrifício redentor de Cristo.

Mas e sobre as outras crenças que muitos Protestantes consideram “essenciais” para seu entendimento da fé cristã? Por exemplo:

– O batismo regenera espiritualmente alguém, sendo ele, então, necessário para a salvação? As crianças devem ser batizadas mesmo se o batismo não nos regenera espiritualmente? Protestantes discordam sobre essas questões, e a Confissão apenas diz que o batismo “fortalece os fiéis ao relembrar, proclamar e selar visivelmente a promessa graciosa do perdão dos pecados”. Isto ergue-se em contraste com a declaração de Martinho Lutero de que o batismo “nos arranca das fauces do diabo, nos torna propriedade de Deus, subjuga e tira o pecado” (Catecismo Maior, pág. 485, Livro de Concórdia, sexta edição, Editoras Sinodal, Concórdia e Ulbra).

– O inferno é uma separação eterna e consciente de Deus, ou é a aniquilação do pecador após a morte? Apesar da Confissão mencionar o céu, ela não fala do inferno. Apenas diz que aqueles que persistem na descrença são consignados em “um destino eterno separado de Deus”. Esse palavreado poderia incluir um número significativo de evangélicos que creem que os condenados serão destruídos após a morte e então “afastados/separados do céu” para sempre.

– O homem é tão decaído que ele não pode livremente escolher por aceitar a oferta de Deus da salvação, de modo que Deus tenha que dá-lo uma graça irresistível que assegure que ele nunca perderá sua salvação? Muitos Protestantes dizem que o homem não é tão caído desse modo e que tem livre arbítrio, mas os calvinistas discordam e afirmam que o homem não contribui em nada em sua própria salvação (1).

Até mesmo questões como a Trindade e a justificação tem se tornado pontos críticos de séria discordância entre os Protestantes. Por exemplo, evangélicos, como o falecido Walter Martin, negam a visão tradicional da eterna filiação de Cristo e dizem que a segunda Pessoa da Trindade tornou-se Filho somente após a Encarnação. Outros Protestantes discordam sobre se “sola fide” (somente a fé) significa que uma pessoa deve se arrepender dos pecados passados ou se (significa que) algum pecado futuro pode causar a perda da justificação de alguém. No livro “Justification: Five Views” (Justificação: Cinco Pontos de Vista), quatro dos pontos de vista são de Protestantes.

A Confissão também não menciona os Protestantes como estando unidos em verdades morais específicas, mas somente como sendo comprometidos com “obras de amor, compaixão com os pobres, e justiça para os oprimidos”. Os signatários podem objetar que confissões de fé usualmente não mencionam questões morais específicas, mas não há como negar que os Protestantes estão bastante divididos em questões como o aborto e o comportamento homossexual. O The Reformation Project tenta até usar argumentos oriundos somente da Bíblia para promover o comportamento homossexual. Não é essencial que os cristãos sabiam – e concordem – se esses comportamentos são pecaminosos, exatamente como fazem no adultério e no assassinato, por exemplo?

O papel da Igreja

Alguns Protestantes provavelmente responderão a essa crítica dizendo que a Igreja Católica não se saí melhor. Afinal, você pode encontrar teólogos e sacerdotes que rejeitam dogmas fundamentais da Fé, como a virgindade perpétua de Maria ou a presença real de Cristo na Eucaristia. É verdade. Mas, ao contrário do “mero Protestantismo”, a Igreja Católica é um corpo hierárquico duradouro que fala, através do Magistério, o que os Católicos estão obrigados a crer. Aqueles que se chamam “Católicos” mas abertamente rejeitam esses dogmas põem a si mesmos fora da comunhão com a Igreja.

Mas para os Protestantes, não existe tal corpo autoritativo, ninguém para dizer quais dogmas são essenciais para crer. A “Confissão Católica Reformada” diz que “a Igreja una, santa, católica e apostólica” é “um lugar terreno onde sua vontade é feita e Ele está agora presente, existindo visivelmente onde quer que dois ou três se reunam em seu nome para proclamar e espalhar o Evangelho em palavra e obras de amor” . Não há menção da Igreja disciplinando (Mat 18,17) ou excomungando crentes (1 Cor 5,5). Note especialmente que Jesus não diz em Mateus 18,17 que, no que concerne a um irmão que peca contra você, “dizei-o a sua igreja”. Ele diz “dizei-o à Igreja”, o que implica que os crentes deveriam estar unidos tanto organizacionalmente quanto doutrinariamente. 

Sem essa união organizacional, um pecador excomungado ou herético poderia simplesmente andar pela rua até a próxima igreja que o acolhesse. Mas, de acordo com o acadêmico evangélico, D. A. Carson, “somente ‘igreja’ (ekklesia, no singular) é usado para a congregação de todos os crentes em uma cidade, nunca ‘igrejas’; se lê das igrejas na Galácia (uma região, não um cidade), mas (se lê) da igreja em Antioquia, ou Jerusalém, ou Éfeso” (“Church Authority”, no Dicionário de Teologia Evangélica, 250).

A “fé católica” verdadeira será aquela que é universal no espaço e no tempo. O Catolicismo é feito de diferentes costumes e até opniões teológicas, mas as 24 igrejas particulares da fé católica (Latina, Bizantina, Siríaca, …), que representam a única Igreja Católica, não são simplesmente uma coleção solta de denominações que compartilham umas poucas “crenças essenciais” e nada mais. Além disso, ao contrário da eclesiologia ambígua presente na “Confissão Católica Reformada”, desde o começo o Catolicismo foi visível e tangível. Como o acadêmico, não católico, J. N. D. Kelly nota, a ideia cristã primitiva de Igreja “era quase sempre a sociedade empírica, visível: eles tinham pouco ou nenhum leve indício da distinção entre uma Igreja visível e invisível” (Early Christian Doctrines, 190).

Então, quem são os mais “católicos” ou cristãos universais? São aqueles que seguem os dizeres de São Pedro: “nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular” (2 Pe 1,20) e que aderem aos ensinamentos universais da Igreja do Deus vivo, “coluna e firmamento da Verdade” (1 Tim 3,15).

(1) Para mais provas que os Protestantes estão divididos em questões essenciais, considere os seguintes títulos da série Zondervan Point/Counter Point, que contém ensaios contrastantes de vários acadêmicos protestantes: Understanding Four Views On Baptism, Five Views on Biblical Inerrancy, Four Views on Hell, Four Views on Eternal Security, and Four Views on Salvation in a Pluralistic World.


Texto original em: Are Protestants the Real ‘Catholic’ Christians? . Autor: Trent Horn (20/09/2017). Traduzido por: Arthur Jordan.