Uns anos atrás eu debati com alguns amigos católicos sobre a questão da posse e do porte de armas de fogo para uso em legítima defesa. Foi bastante civilizado (como já disse, algo raro) e rendeu ótimos frutos, posso supor. O debate encontra-se abaixo, com poucas alterações, na estrutura de questão disputada. As quinze objeções são aquelas que recebi deles. Por fim, peço paciência visto ter sido a primeira vez que usei a estrutura da questão disputada.

Questão Disputada sobre a Posse e o Porte de Armas de Fogo pelo Cidadão de Bem

Deve o cidadão de bem ter direito à posse e ao porte de armas de fogo, devidamente registradas e segundo os ditames da PL 3772/2012, caso assim ele o opte para uso em legítima defesa?

Parece que não.

Objeção 1: De fato, a utilização de armas de fogo em legítima defesa fere ao mandamento divino: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39).

Objeção 2: Além do mais, se o agente não tivesse acesso à arma, o crime não teria acontecido.

Objeção 3: Além do mais, deve-se preferir minar o armamento dos bandidos que antes armar a população.

Objeção 4: Além do mais, iria contra nossa pregação baseada na paz e amor ao próximo.

Objeção 5: Além do mais, caso o bandido tenha em mente que estou armado, ele me roubaria com o intuito de levar minha arma.

Objeção 6: Além do mais, o Compêndio de Doutrina Social da Igreja (doravante DSI) afirma, no número 500, que a “guerra de agressão é intrinsicamente imoral”. Além de que o uso das forças armadas em legítima defesa deve seguir as condições expostas no mesmo número supracitado.

Objeção 7: Além do mais, o DSI propõe a meta de um “desarmamento geral, equilibrado e controlado” no número 508. Logo, não se deve conceder o direito discutido ao cidadão de bem.

Objeção 8: Além do mais, o DSI afirma, no número 511, que “medidas apropriadas são necessárias para o controle da produção, da venda, da importação e da exportação de armas leves e individuais, que facilitam muitas manifestações de violência”. Logo, não se deve conceder tal direito ao cidadão de bem que opte por possuir uma arma para uso em legítima defesa.

Objeção 9: Além do mais, o DSI reforça que o uso de armas de fogo deve ser o último recurso.

Objeção 10: Além do mais, baseado nas afirmações do DSI, a utilização de armas de fogo pela população não acarretará “maiores males”?

Objeção 11: Além do mais, visto que “todos os outros meios de pôr fim se tenham revelado impraticáveis ou ineficazes”, não seria mais prudente recorrer antes à educação da população vulnerável, de forma que não precisem mais buscar sustento na criminalidade?

Objeção 12: Além do mais, não se deve realizar maior controle na venda de armas e munição?

Objeção 13: Além do mais, o DSI estimula que se recorra à resistência pacífica.

Objeção 14: Além do mais, a circunstância social dos que estão marginalizados e na periferia é causa do ato pecaminoso do assalto.

Objeção 15: E ainda, mesmo que os assaltantes tenham conhecimento que o cidadão de bem tem o direito à posse e ao porte de armas, não significa que terão medo de assaltar o indivíduo.

Em sentido contrário, deve o cidadão de bem ter tal direito visto a doutrina perene da Igreja a respeito da legítima defesa.

Explico. A legítima defesa faz parte da doutrina perene da Igreja. Tal doutrina é explicitada no número 413 do Catecismo de São Pio X e particularmente nos números 1909, 2263-2267 do Catecismo da Igreja Católica, além da Suma Teológica, II-II, 64, 7. Santo Tomás de Aquino, além dos números dos Catecismos citados, faz notar que é da própria essência da legítima defesa uma proteção comedida da própria vida. Neste caso, ele assim o diz que “se alguém, para se defender, usar de violência mais do que o necessário, seu ato será ilícito. Mas, se a violência for repelida com medida, será lícito”. Dado que não há legítima defesa comedida diante de uma arma de fogo que não com uma outra arma de fogo, segue que o cidadão deve ter o direito à posse e ao porte, devidamente registrada, e, neste caso, segundo os ditames da PL 3772/2012.

Resposta à Objeção 1: Deve-se dizer que tal mandamento abarca o mandamento divino “Não matarás”. A legítima defesa não é uma exceção ao quinto mandamento. O Catecismo da Igreja Católica assim o diz no número 2264: “O amor a si mesmo permanece um princípio fundamental da moralidade. Portanto, é legítimo fazer respeitar seu próprio direito à vida. Quem defende sua vida não é culpável de homicídio, mesmo se for obrigado a matar o agressor”. A morte do agressor não é querida na legítima defesa, mas tão somente a conservação da própria vida. Além de que, se a Igreja ordenasse algo que ferisse o mandamento de Deus, a legítima defesa comedida (apenas para frisar a comedição), Deus mesmo se contradiria, permitindo algo que noutro canto proíbe. Isto é impossível, dado ser a Igreja a coluna e o sustentáculo da Verdade. Além disto, quem rejeita suas palavras, rejeita ao próprio Deus, e quem as ouve, é a Ele que ouve (1 Tim 3,15; Lc 10,16).

Resposta à Objeção 2: Trata-se de um argumento “non sequitur”. Não se segue que se não houvesse armas de fogo, o crime não teria acontecido. Deve-se dizer que a causa do crime está no ato da vontade do indivíduo que decide voluntariamente cometer um homicídio (para usar as palavras do Catecismo da Igreja Católica). Portanto, ainda que não houvesse armas de fogo por perto, a decisão de cometer o homicídio o levaria a fazê-lo de outra maneira.

Resposta à Objeção 3: O direito do cidadão, que assim opte, à posse e ao porte de armas de fogo está vinculado, como se explicou, a proteção comedida de sua própria vida. É incorreto, portanto, dizer “armar a população”, dado que não são todos os membros da população que estão aptos ou desejam à posse e o porte de arma de fogo. Deve-se dizer ainda que não se segue que, por tomar medidas que visem minar as armas ilegais das mãos dos bandidos, se deva proibir o referido direito. Isto porque feriria o princípio de proteção comedida intrínseco a legítima defesa, destruindo-a em sua essência, visto sempre haver de ter armas ilegais nas mãos de bandidos, mesmo em face a tais medidas supracitadas.

Resposta à Objeção 4: Não iria. O Catecismo da Igreja Católica, no número 1909, justamente correlaciona à paz o direito à legítima defesa: “Finalmente, o bem comum implica a paz, quer dizer, a permanência e segurança duma ordem justa. Supõe, portanto, que a autoridade assegure, por meios honestos, a segurança da sociedade e dos seus membros. O bem comum está na base do direito à legítima defesa, pessoal e coletiva”. Remeto ainda à Resposta à Objeção 1.

Resposta à Objeção 5: É muito mais provável que se especulasse o seguinte: “Por eu estar armado, ou ter o direito de me armar, é mais provável que o bandido refletirá com mais cuidado se irá ou não me assaltar, dado temer por sua própria vida caso eu agisse em legítima defesa”. Entretanto, quando uma teoria não é posta na prática ela não revela todo seu alcance, temos a realidade que confirma tal especulação. Dentre os exemplos, remeto ao caso do Texas, no EUA.

Resposta à Objeção 6: Correto. Tais condições são citadas no número 2309 do Catecismo da Igreja Católica. É a chamada “guerra justa”, dado seguir tais condições e ser em legítima defesa. A objeção corrobora a tese proposta do direito já citado.

Resposta à Objeção 7: O mesmo documento afirma duas frases à frente ao texto citado: “O princípio de suficiência, em virtude do qual um Estado pode possuir unicamente os meios necessários para a sua legítima defesa, deve ser aplicado seja pelos Estados que compram armas, seja por aqueles que as produzem e as fornecem”. Portanto, deve-se dizer que o desarmamento proposto é até o ponto mínimo necessário para a legítima defesa. Estou de acordo com tal desarmamento citado na DSI. A objeção, contudo, corrobora a tese proposta do direito já citado, visto ele tratar-se de uso em legítima defesa.

Resposta à Objeção 8: A citação do DSI corrobora a tese proposta. Nela se diz que o direito seguirá aos ditames da PL 3772/2012. A fim de poupar tempo, remeto aos Artigos 1, 2 e 3 da PL citada. A PL obedece ao que é dito no DSI.

Resposta à Objeção 9: Isto se refere a já citada Guerra Justa, não ao uso individual em legítima defesa. Remeto a Resposta à Objeção 6.

Resposta à Objeção 10: A expressão “maiores males”, no número 500 da DSI e 2309 do Catecismo da Igreja Católica, refere-se à Guerra Justa. Além disso, é incorreto dizer “pela população” visto não ser toda a população que usufruirá de tal direito. Somente os que desejarem e seguirem os ditames da PL 3772/2012.

Resposta à Objeção 11: A citação encontra-se no número 2309 do Catecismo da Igreja Católica e refere-se novamente à Guerra Justa. O tipo de desarmamento sugerido no DSI já foi tratado na Resposta à Objeção 7. Não se segue que, por investir em educação, se deva restringir o direito ao cidadão de bem, conforme a PL 3772/2012, à posse e ao porte de arma de fogo para uso em legítima defesa, caso assim ele o opte. Isto pelo fato de que o ato pecaminoso (seja um assalto, seja um assassinato, etc) é um ato da vontade deliberada. A educação pode facilitar que o indivíduo seja virtuoso. Não significa, contudo, que por ter um elevado grau de instrução o indivíduo não cometerá um assalto ou assassinato. Nem que, por não ter tido uma educação suficiente, ele cometerá um crime. O Brasil é cheio de exemplos. A raiz está na perversão da escolha, para usar as palavras de Santo Tomás no De Veritate, que escolhe cometer o ato pecaminoso. Diante desta escolha pervertida, está a legítima defesa, com sua proteção comedida, e o direito vinculado a ela que é o tema da questão disputada.

Resposta à Objeção 12: É o que propõe a PL 3772/2012.

Resposta à Objeção 13: De fato. Não significa, contudo, que se deva restringir o direito analisado, se não se feriria a legítima defesa, com sua proteção comedida, caso a circunstância o impusesse.

Resposta à Objeção 14: Não é esta a causa. Remeto a Resposta à Objeção 11.

Resposta à Objeção 15: Bem, neste caso, não tenho como dizer com certeza se seria assim ou não. Por isto que mencionei na Resposta à Objeção 5 a palavra “provável”. Mas apenas para citar um dos exemplos, aquele que me referi, Texas/EUA, a taxa de homicídios voluntários para cada 100.000 pessoas despencou de aproximadamente 14, em 1990, a aproximadamente 4, em 2014 (fonte: Texas Disaster Center). Por isto mencionei tal exemplo vinculado a especulação dita.


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