O Evangelho de São Mateus diz: “Não julgueis, para que não sejais julgados” (7,1). Seria isto dizer que todo e qualquer julgamento está previamente condenado por Cristo? O cristão portanto jamais deve julgar? Seria um absurdo de se concluir. Como este versículo, contudo, é usado, muito freqüentemente, de maneira esdrúxula, querendo significar justamente aqueles pensamentos, nada mais natural do que recorrer ao Doutor Comum da Igreja para nos ajudar nessa questão.

Santo Tomás de Aquino, em seus “Comentários ao Evangelho de São Mateus” (1), indica que Cristo, tendo completado a Lei a respeito dos preceitos e das promessas, começa então a tratar dos julgamentos. Desta forma, ele detalha como deve ser o julgamento por parte do cristão:

– “Não julgueis…” de modo imprudente, conforme os ditames da amargura provinda do ódio. Algo similar diz o Padre Matos Soares (2): “não julgueis mal do próximo sem fundamento; que o ódio e a inveja nunca vos levem a condená-lo”;

– “Não julgueis…” aquelas matérias que a ti não foram confiadas. Santo Tomás ainda relembra que a nós foram confiados os julgamentos das coisas externas, estando as internas reservadas somente ao julgamento de Deus;

– “Não julgueis…” de maneira incongruente. Ou seja, se tu cometes o mesmo pecado ou outro ainda maior, tu não deves julgar;

– Além disso, o julgamento não é proibido a prelados, mas a aqueles que a eles estão sujeitos. Eles então devem julgar somente estes últimos.

Detalhando seu comentário, Santo Tomás ainda faz referência não somente a outros trechos da Escritura, como cita os Santos Padres. Isto me faz justamente recordar os chamados três critérios de interpretação da Escritura indicados pela Igreja (Catecismo da Igreja Católica, 112 – doravante CIC):

– Deve-se “prestar grande atenção ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura” (CIC 112);

– Deve-se “ler a Escritura na Tradição viva da Igreja” (CIC 113). Já antes o Concílio de Trento decretava que “ninguém ouse interpretá-la (a Escritura) contra o unânime consenso dos Padres” (Sessão IV);

– Deve-se ser atento “à analogia da fé”, entendida como a coesão das verdades da fé entre si (CIC 114). Ou, em outros termos, no fato de que as verdades de fé iluminam-se mutuamente.

Que Deus nos ajude a pôr em prática sua ordem: “não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a justiça” (Jo 7,24) e a ler e interpretar a Escritura “com o mesmo Espírito com que foi escrita” (CIC 111).


(1) http://dhspriory.org/thomas/SSMatthew.htm

(2) http://alexandriacatolica.blogspot.com.br/2014/12/obra-inedita-do-pe-matos-soares.html