Os grandes clássicos da fé católica são quase que totalmente desconhecidos pelos católicos de língua portuguesa. Dentre estes, a obra-prima de Bossuet (“Exposição da doutrina da Igreja Católica sobre questões controversas”) não encontra, ao menos que eu tenha conhecimento, qualquer tradução. E, caso tenha, parece provável se tratar de obra de difícil acesso. Traduzo então esta obra e coloco, aos poucos, cada um de seus capítulos. Por ser uma tradução livre, peço a benevolência do leitor e a bondade de me indicar quais pontos devo observar para melhorar a tradução.
Jacques-Bénigne Bossuet
CAPÍTULO 01 – O PLANO GERAL DESTA INSTRUÇÃO
Após uma série de contestações, que tem durado por quase três séculos, deveria parecer natural supor que, ao menos agora, as mentes do público protestante devem ser razoavelmente bem instruídas a respeito das doutrinas da Religião Católica; ou, se não bem instruídas, dispostas, em todo o caso, a compreendê-las. Por esta razão, ocorreu-me que eu realizaria um serviço peculiarmente útil para os protestantes, bem como vantajoso aos católicos, se eu apresentasse uma declaração – concisa e simples – do caráter real dos nossos princípios; distinguindo-os, ao mesmo tempo, daquelas opiniões falsas que a hostilidade do protestantismo tão injustamente nos imputa.
Na realidade, tenho observado, com bastante frequência, que a aversão que o protestantismo nutre pela Religião Católica repousa principalmente sobre as noções errôneas que, enganado por equívocos e preconceitos, ele formou de sua doutrina; e, algumas vezes, repousa até mesmo sobre o mero som de certos termos, ou expressões, que ferem seus sentimentos, somente porque ele não se deu o trabalho de averiguar seu significado. Por isso, a minha opinião é que será particularmente importante explicar para nossos irmãos dissidentes o que a Igreja, através do Concílio de Trento, definiu solenemente em relação a todos os artigos de fé que os separam da instituição de seus pais; sem deixar de dar qualquer resposta para aquelas objeções que são levantadas contra escritores individuais, ou contra objetos, e que não são necessariamente, nem universalmente, recebidos entre nós. Pois, para imputar a todo um corpo os sentimentos de alguns poucos indivíduos privados seria – o próprio Daillé, e o (protestante) mais parcial, reconhece isto – irracional e injusto. De fato, Daillé concede que se separar da Igreja de seus pais em razão de quaisquer outros artigos diversos daqueles que foram estabelecidos autenticamente, e observados de modo geral, é tanto impróprio quanto criminoso.
Por essas razões, eu irei me limitar aos decretos do Concílio de Trento, visto que são neles que a Igreja falou decisivamente a respeito de todas aquelas doutrinas que são objeto de contestação entre protestantes e as comunidades católicas. O que eu mesmo deverei acrescentar, a título de elucidação, será somente o que a Igreja autoritativamente aprova; e o que, pela evidência mais clara, está em conformidade exata com a doutrina do santo Concílio.
A exposição de nossas doutrinas, conduzida sobre os princípios acima, produzirá duas vantagens. Irá, em primeiro lugar, anular, ou impedir, uma grande discussão: porque mostrará que a causa principal do desafeto que os protestantes nutrem por nossa religião está fundada sobre explicações errôneas do que ela crê. Em segundo lugar, irá remover do debate tudo que se assemelhe ao rancor: porque as disputas, que permanecerão (em necessidade de serem) decididas, não irão parecer, aos olhos dos protestantes, tão vitalmente importantes, como até agora eles tinham sido acostumados a considerá-las; nem que elas invadem qualquer um dos fundamentos da Cristandade.
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