Há mais de um ano vi um colega ficar impressionado com um debate em que, ao que parece, o assunto tratava-se do melhor sistema de governo e o vencedor defendia a monarquia (que pressuponho seja a parlamentarista). E o motivo de seu espanto era menos por ele considerar esse debate como algo já superado que pelo esforço que ele supunha ser necessário para defender a monarquia atualmente. Por fim, ele chega a louvar a iniciativa do debate pelo fato de poder apontar variadas falhas na democracia brasileira.
Seria então um esforço hercúleo defender a monarquia? Não é o caso. Já São Roberto Belarmino*, doutor da Igreja, caracterizava os três tipos de sistemas de governo: ou apenas um é encarregado da comunidade, ou poucos são encarregados, ou todos. No primeiro caso, trata-se da monarquia. No segundo, da aristocracia. No terceiro, da democracia. Se misturados entre si, formam ainda outros quatro tipos de governos: um, combinando os três; outro, combinando monarquia e aristocracia; ainda outro, combinando monarquia e democracia; por fim, combinando democracia e aristocracia. Ele então se pergunta: qual melhor tipo de governo dentre esses sete?
Sua resposta é que, seguindo Santo Tomás e outros teólogos, abstratamente falando, a simples monarquia se sobressai às demais formas de governo. Consideradas todas as circunstâncias, contudo, a monarquia combinada com a aristocracia e a democracia é a mais útil aos homens atualmente.
A fim de provar o primeiro ponto, São Roberto recorre ao testemunho das Escrituras, dos teólogos (Santo Atanásio, São Cipriano, São Jerônimo, Santo Tomás de Aquino), filósofos (Platão, Aristóteles, Séneca, Plutarco), oradores (tais como Isócrates que reune os testemunhos de Hesíodo, Eurípides, Ecfanto e outros), historiadores (Heródoto) e poetas (como Homero). Ainda recorre ao fato de como foi estabelecida a raça humana por Deus, da natural propensão do homem à monarquia e da monarquia ser muito mais antiga que as repúblicas.
Tudo isso poderá ser visto em outro momento. O que eu gostaria de focar aqui são as últimas razões que São Roberto deduz das propriedades de uma simples monarquia. São elas:
– O melhor sistema de governo é aquele mais ordenado. A monarquia, por sua vez, é mais ordenada que a aristocracia e a democracia. Quando se diz ordem, se refere ao fato de se ter alguém no comando e outros a ele sujeitos, visto não se poder falar de ordem entre aqueles que são iguais.
Ora, na monarquia o comando é posto sobre um só. E São Roberto conclui: portanto, “onde há monarquia, todas as coisas gozam no todo de alguma ordem; nela não pode haver nenhum homem que não esteja sujeito a outro”. Diferente da aristocracia, onde o povo está sujeito aos aristocratas mas não há ordem entre eles, e da democracia, onde todos são da mesma condição e gozam de autoridade na comunidade.
– O melhor sistema de governo é aquele que mais apropriadamente e facilmente alcança o seu devido fim. Ora, o fim do governo é a união entre seus cidadãos e a paz, algo mais facilmente obtido quando um deve ser obedecido, e não muitos. Quando muitos governam a comunidade, é mais fácil a multidão estar dividida entre si. Não é difícil perceber isso atualmente.
– O melhor sistema de governo é aquele mais estável e durável. Sem dúvida nenhuma a monarquia é aquele sistema que dura mais tempo se comparado a aristocracia e a democracia.
– O melhor sistema de governo é aquele mais fácil de se governar. Esse é o caso da monarquia: é mais fácil encontrar um só homem bom que muitos; é mais provável que onde muitos governam haja rivalidade, ambição e disputa; onde muitos governam, muitos jogam sua responsabilidade sobre outros e negligenciam seus deveres com o Estado (“um rei, contudo, que sabe que tudo depende dele somente, é compelido a não negligenciar nada”, completa São Roberto).
Conforme já dito, contudo, considerada todas as circunstâncias, a monarquia com a aristocracia e a democracia é a mais útil ao homem atual, visto sua natureza corrompida. Bastaria ver que esse tipo de governo gozaria de todos os bens que estão presentes na monarquia (citados acima) e no fato de que todos tendem a amar aquele tipo de governo em que participam. Ora, esses poucos argumentos, dentre tantos que São Roberto elenca e detalha, já demonstram que o desprezo pela monarquia é muito mais baseado em outros critérios que em uma análise profunda (no sentido dado por Mortimer J. Adler) de suas razões de ser.
* De controversiis: on the Romam Pontiff (Vol I: Books 1 & 2) – Saint Robert Bellarmine, S. J. Translated from the latin by Ryan Grant. Disponível para aquisição em: https://www.amazon.com/Roman-Pontiff-Controversiis-1/dp/0692453644/ref=pd_bxgy_14_2?_encoding=UTF8&pd_rd_i=0692453644&pd_rd_r=06T2A8ACE7SM6WR3PV3F&pd_rd_w=vD4Yp&pd_rd_wg=YtAYZ&psc=1&refRID=06T2A8ACE7SM6WR3PV3F
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