Considero o Dr. David Anders um dos grandes católicos da atualidade. Seu trabalho nas paróquias como catequista, sua defesa e explicação da fé em artigos e em programas de rádio, suas palestras e debates transbordam um amor fervoroso por Nosso Senhor e Sua Igreja. Fiz questão de traduzir* seu breve testemunho de conversão e o papel fundamental que João Calvino teve nesse processo. Esse relato encontra-se originalmente no site Called to Communion , o qual recomendo como fonte para estudo da fé católica.

*Esta tradução não é a única. Há outra aqui.

Como João Calvino me fez Católico

Uma vez eu ouvi um pastor protestante pregar um sermão sobre “História da Igreja”. Ele começou com Cristo e os apóstolos, moveu-se rapidamente para o livro de Atos, evitou olhar para a Idade Média Católica e saltou diretamente para Wittemberg, 1517. De Lutero, ele pulou para o revivalismo inglês de John Wesley, atravessou o Atlântico para os avivamentos americanos e chegou em sua própria igreja, em Birmingham, Alabama, no começo dos anos 90. Aplausos e cantos o seguiram. A congregação amou o sermão. 

Eu também amei. Eu cresci numa igreja evangélica, nos anos 70, imerso no mito da Reforma. Eu estava certo que minha igreja pregava o Evangelho que tínhamos recebido, sem mácula, dos Reformadores. Após a universidade, obtive um doutorado em História da Igreja, de modo que eu poderia fundamentá-la e provar para todos os pobres católicos que eles estavam na Igreja errada. Eu nunca imaginei que meu próprio fundador, o Reformador Protestante João Calvino, me faria ver a veracidade da fé Católica.

Fui criado presbiteriano, na igreja que orgulha-se de sua origem calvinista, mas eu não me importava muito com denominações. Minha igreja praticava uma espiritualidade sem partes desnecessárias, focada na Bíblia e em “nascer de novo” (Jo 3,7), (como é) compartilhada pela maioria dos evangélicos. Eu fui para uma universidade cristã e depois um seminário onde encontrei aquela mesma atitude. Batistas, presbiterianos, episcopalianos e carismáticos adoravam e estudavam lado-a-lado, todos comprometidos com a Bíblia mas em desacordo em como interpretá-la. Mas nossas diferenças não nos incomodava. Desacordos sobre os sacramentos, a estrutura da Igreja e a autoridade eram menos importantes para nós que um relacionamento pessoal com Cristo e o combate à Igreja Católica. Assim era como entendíamos nossa dívida comum à Reforma.

Quando concluí o seminário, direcionei-me aos estudos do Pós-Doutorado em História da Reforma. Meu foco era em João Calvino (1509 – 1564), o Reformador francês que fez de Genebra, Suíça, o modelo da cidade protestante. Eu escolhi Calvino não somente por causa de meu plano de fundo presbiteriano, mas porque a maioria dos protestantes americanos tem alguma relação com ele. Os puritanos ingleses, os pais peregrinos, Jonathan Edwards e o “Grande Despertar” – todos derivam de Calvino e, dessa forma, influenciaram fortemente a religião americana. Meus professores universitários e do seminário retrataram Calvino como um mestre em teologia, nosso teólogo. Eu pensava que se eu pudesse dominar Calvino, eu certamente saberia (sobre) a fé.

Estranhamente, dominar Calvino não me levou a nenhum lugar que eu esperava. Para começar, decidi que eu realmente não gostava de Calvino. Eu o encontrei orgulhoso, julgador e inflexível. Mas mais importante, eu descobri que Calvino desapontou minha visão evangélica da história. Eu tinha sempre assumido uma perfeita continuidade entre a Igreja antiga, a Reforma e a minha igreja. Quanto mais eu estudava Calvino, contudo, mais estranho ele parecia, menos (ainda) com os protestantes de hoje. Isso, por sua vez, me fez questionar todo o enredo evangélico: Igreja antiga – Reforma – Cristianismo Evangélico, como um fio sem emenda que corre diretamente de um ponto para o outro. Mas e se os evangélicos não fossem realmente fiéis a Calvino e a Reforma? Aquele fio sem emenda romperia. E se ele pudesse quebrar uma vez, entre a Reforma e hoje, por que não antes, entre a Igreja antiga e a Reforma? Eu estava realmente certo que o fio tinha unido estes pontos?

Calvino me chocou por rejeitar elementos chaves da minha tradição evangélica. A espiritualidade de “nascer de novo”, a interpretação privada da Escritura, a abordagem mais aberta em relação às denominações – Calvino se opôs a tudo isso. Eu descobri que suas preocupações eram vastamente diferentes, mais institucionais, até mesmo católicas. Ainda que ele rejeitasse a autoridade de Roma, existiam coisas sobre a fé católica que ele nunca pensou em deixar. Ele tomou por certo que a Igreja deveria ter uma autoridade interpretativa, uma liturgia sacramental e uma fé única e unificada.

Essas descobertas me depararam com questões importantes. Por que Calvino deveria tratar essas “coisas católicas” com tal seriedade? Ele estava certo em considerá-las tão importantes? E se fosse o caso, ele estava justificado em deixar a Igreja Católica? O que essas descobertas me ensinaram a respeito do Protestantismo? Como a minha igreja poderia alegar que Calvino era seu fundador e ainda assim se afastar tanto de suas visões? Estava todo o caminho protestante de fazer teologia condenado a confusão e a inconsistência?

Entendendo a Reforma Calvinista

Calvino era da segunda geração de reformadores, vinte e seis anos mais novo que Martinho Lutero (1483-1546). Isso significa que, no tempo em que ele encontrou-se com a Reforma, ela já tinha se dividido em facções. Na terra natal de Calvino, a França, não havia nenhum apoio real ao Protestantismo e nenhuma liderança unificada. Advogados, humanistas, intelectuais, artesãos e artistas leram os escritos de Lutero, tanto quanto as Escrituras, e adotaram o que quer que gostassem.

Essa variedade atingiu Calvino tal qual uma receita para o desastre. Ele era um advogado formado, e sempre odiou qualquer tipo de desordem social. Em 1549, ele escreveu uma pequena obra (Advertissement contre l’astrologie) em que ele se queixa sobre essa diversidade protestante:

“Todo o estado (de vida) tem seu próprio Evangelho em que eles forjam para si mesmos de acordo com seus apetites, de modo que há tanta diversidade entre o Evangelho da corte, e o Evangelho dos juízes e advogados, e o Evangelho dos mercadores, quanto há entre moedas de diferentes denominações”.

Eu comecei a lidar com as diferenças entre Calvino e seus descendentes quando descobri seu ódio para com essa diversidade teológica. Calvino estava atraído pela teologia de Lutero, mas ele criticou a “grande multidão” e a “plebe vulgar” que fez da doutrina de Lutero uma desculpa para a desordem. Ele escreveu sua primeira grande obra, A Instituição da Religião Cristã (1536), em parte para tratar desse problema.

Calvino conseguiu uma oportunidade de pôr seus planos em ação quando ele se mudou para Genebra, Suíça. Ele se juntou inicialmente à Reforma em Genebra, em 1537, quando a cidade apenas recentemente tinha abraçado o protestantismo. Calvino, que já tinha começado a escrever e publicar sobre teologia, estava insatisfeito com seu trabalho. Genebra aboliu a Missa, expulsou o clero católico e professou lealdade à Bíblia, mas Calvino queria ir mais longe. Sua primeira requisição ao conselho da cidade era impor uma confissão de fé comum (escrita por Calvino) e forçar todos os cidadãos a afirmá-la.

A contribuição mais importante de Calvino para Genebra foi o estabelecimento do Consistório – uma espécie de corte eclesiástica – para julgar a pureza moral e teológica de seus paroquianos. Ele também persuadiu o conselho a impor um conjunto de “ordenanças eclesiásticas” que definiam a autoridade da Igreja, declaravam as obrigações religiosas dos leigos e impôs uma liturgia oficial. O atendimento à Igreja era obrigatório. Contradizer os ministros era proibido como blasfêmia. A Instituição de Calvino seria por fim declarada como a doutrina oficial.

O “objetivo da vida” de Calvino era ganhar o direito de excomungar os membros “indignos” da Igreja. O conselho da cidade finalmente garantiu esse poder em 1555 quando a imigração francesa e os escândalos locais inclinaram o eleitorado em seu favor. Calvino exerceu isso frequentemente. De acordo com o historiador William Monter, um em cada quinze cidadãos foi convocado perante o Consistório entre 1559 e 1569 e um entre vinte foi realmente excomungado (1). Calvino usou este poder para impor sua visão singular de Cristandade e para punir a dissidência.

Um Calvinista descobre João Calvino

Eu estudei Calvino por anos antes que o verdadeiro significado daquilo que eu estava aprendendo começasse a ser completamente entendido. Mas eu finalmente percebi que Calvino, com sua paixão pela ordem e autoridade, estava fundamentalmente em desacordo com o espírito individualista da minha tradição evangélica. Nada me fez perceber o completo significado disso com maior claridade que sua disputa com o antigo monge carmelita, Jerome Bolsec.

Em 1551, Bolsec, um médico e converso ao protestantismo, entrou em Genebra e participou de um sermão sobre teologia. O tópico era a doutrina da predestinação de Calvino, o ensinamento de que Deus predetermina o destino eterno de cada alma. Bolsec, que acreditava firmemente em “só a Escritura” e em “somente pela fé”, não gostou do que ouviu. Ele pensava que isso fazia de Deus um tirano. Quando ele se levantou para desafiar a doutrina de Calvino, foi detido e aprisionado.

O que faz o caso de Bolsec interessante é que ele rapidamente evoluiu para um referendo sobre a autoridade da Igreja e a interpretação da Escritura. Bolsec, como muitos evangélicos atualmente, argumentou que ele era cristão, que tinha o Espírito Santo e que, portanto, tinha o direito de interpretar a Bíblia tanto quanto Calvino. Ele prometeu retratar-se somente se Calvino provasse sua doutrina pelas Escrituras. Mas Calvino se recusou em aceitar isso. Ele ridicularizou Bolsec como um encrenqueiro (Bolsec gerou uma boa quantidade de simpatia pública), rejeitou seu apelo para a Escritura e solicitou ao conselho que fosse duro (para com Bolsec). Ele escreveu privadamente a um amigo que desejaria que Bolsec estivesse “apodrecendo em um fosso” (2).

O que a maioria dos evangélicos atualmente não compreendem é que Calvino nunca endossou a interpretação privada ou leiga da Bíblia. Enquanto ele rejeitava a reivindicação de autoridade de Roma, ele fez reivindicações impressionantes à sua própria autoridade. Ele ensinou que os pastores “reformados” eram sucessores dos profetas e apóstolos, encarregados da tarefa da interpretação autorizada das Escrituras. Ele insistiu que os leigos deveriam suspender o julgamento em matérias difíceis e “manter-se unidos com a Igreja” (3).

Ele tomou muito a sério a obrigação dos leigos em se submeter e obedecer. “Contradizer os ministros” era uma das razões mais comuns para ser chamado perante o Consistório e as penalidades poderiam ser severas. Uma imagem em particular permanece em minha mente. Abril de 1546. Pierre Ameaux, um cidadão de Genebra, foi forçado a rastejar até a porta da residência do Bispo, com sua cabeça descoberta e uma tocha em suas mãos. Ele implorou pelo perdão de Deus, dos ministros e do conselho da cidade. Seu crime? Ele contradisse a pregação de Calvino. O conselho, instado por Calvino, decretou a humilhação pública de Armeaux como punição.

Armeaux não estava sozinho. Ao longo dos anos 1540 e 1550, o conselho da cidade de Genebra repetidamente proibiu falar contra os ministros ou suas teologias. Além disso, quando Calvino ganhou o direito de excomungar, ele não hesitou em usá-lo contra essa “blasfêmia”. Evangélicos hoje, desacostumados com o uso da excomunhão, podem subestimar a severidade da pena, mas Calvino a entendia no mais severos termos. Ele repetidamente ensinou que o excomungado estava “afastado da Igreja, e portanto, de Cristo” (4).

Se as ideias de Calvino sobre a autoridade da Igreja eram uma surpresa para mim, seus pensamentos sobre os sacramentos eram chocantes. Ao contrário dos evangélicos, que tratam a teologia dos sacramentos como uma das “não essenciais”, Calvino pensava que eles eram da máxima importância. De fato, ele ensinava que um devido entendimento da Eucaristia era necessário à salvação. Essa foi exatamente a tese de seu primeiro tratado teológico em francês (Petit traicté de la Sainte Cène, 1541). Frustrado pelo desacordo protestante, Calvino escreveu o texto numa tentativa de unificar o movimento em torno de uma única doutrina.

Evangélicos estão acostumados a encontrar segurança em seu “relacionamento pessoal com Cristo” e não através da pertença a alguma Igreja ou da participação em algum ritual. Calvino, no entanto, ensinava que a Eucaristia fornece “uma certeza indubitável da vida eterna” (5). E enquanto que Calvino se aproxima do entendimento católico, ou até mesmo luterano, da Eucaristia, ele ainda retém uma doutrina da Presença Real. Ele ensinava que a Eucaristia proporciona uma “verdadeira e substancial participação no Corpo e Sangue do Senhor” e ele rejeitou a noção de que aqueles que comungavam recebiam “apenas o Espírito, omitindo o Corpo e o Sangue” (6).

Calvino entendia o batismo da mesma forma. Ele nunca ensinou a doutrina evangélica de que alguém é “nascido de novo” através da conversão pessoal. Em vez disso, ele associou a regeneração com o batismo e ensinou que negligenciá-lo era recusar a salvação. Ele também não permitiu nenhuma diversidade sobre a maneira de sua recepção. Anabatistas em Genebra (aqueles que praticavam o batismo adulto) foram presos e forçados a se arrepender. Calvino ensinava que os Anabatistas, pela recusa do sacramento às suas crianças, colocaram-se a si mesmos fora da fé.

Calvino uma vez persuadiu um Anabatista chamado Herman a entrar na igreja reformada. Sua descrição do evento não deixa dúvida sobre a diferença entre Calvino e o evangélico moderno. Calvino escreve:

“Herman retornou, se eu não estou enganado, em boa fé à comunhão da Igreja. Ele confessou que fora da Igreja não há salvação e que a verdadeira Igreja está conosco. Assim sendo, foi uma deserção quando ele pertencia a uma seita separada dela.” (7)

Evangélicos não entendem esse tipo de linguagem. Eles estão acostumados a tratar “a Igreja” como uma realidade puramente espiritual, representada em denominações ou onde quer que “verdadeiros crentes” estejam reunidos. Essa não era a visão de Calvino. Sua visão era de “verdadeira Igreja”, marcada pelo batismo de crianças e da qual fora dela não há salvação.

Encontrando a coerência no Evangelicalismo

Estudar Calvino gerou importantes questões sobre minha identidade evangélica. Como eu poderia rejeitar como sem importância questões que meu próprio fundador considerava essenciais? Eu tinha repudiado, com alegria e confiança, o batismo, a Eucaristia e a Igreja mesma como “meramente simbólicos”, “puramente espirituais” ou, enfim, desnecessários. No seminário, também, encontrei um ambiente onde professores discordavam totalmente sobre essas questões e ninguém ligava! Sem nenhuma corte final para apelar, nós tínhamos desenvolvido uma teologia do “mínimo denominador comum”.

A História da Igreja me ensinou que essa atitude era um desenvolvimento recente. João Calvino tinha grandes expectativas pela unidade e catolicidade da fé, e pela centralidade da Igreja e dos sacramentos. Mas o Calvinismo não poderia concretizá-las. Fora de Genebra, sem a força do Estado para impor uma única versão, o Calvinismo mesmo fragmentou-se em facções. Em seu livro Orthodoxies in Massachusetts: Rereading American Puritanism, a historiadora Janice Knight detalha como o processo se desenrolou bastante cedo no calvinismo americano (8).

Não é surpresa que, pelo século 18, os principais ministros calvinistas dos dois lados do Atlântico tenham desistido da busca pela completa unidade. Uma nova abordagem era enfatizar a experiência subjetiva do “novo nascimento” (em si mesma uma doutrina nova de origem puritana) como a única preocupação necessária. O famoso revivalista George Whitefied tipificou essa visão, indo tão longe como (por exemplo) insistir que Cristo não queria um acordo nas outras matérias. Ele disse:

“Era melhor pregar o novo nascimento, e o poder da piedade, e não insistir muito na forma: porque as pessoas jamais se recordariam de algo como daquilo; nem Jesus Cristo jamais teve essa intenção” (9)

Desde o século 18, o Calvinismo passou a se dedicar mais e mais a um restrito conjunto de questões sobre a natureza da salvação. De fato, na mente da maioria das pessoas, a palavra Calvinismo implica somente a doutrina da predestinação. Calvino mesmo tem se tornado sobretudo um símbolo sombrio, um mito que evangélicos convocam apenas para dar suporte a reivindicação espúria de continuidade histórica.

A maior ironia na minha pesquisa histórica foi perceber que o Evangelicalismo, longe de ser o descendente direto de Calvino, na verdade representava o fracasso do Calvinismo. Enquanto que Calvino passou a vida na busca pela unidade doutrinal, o Evangelicalismo moderno está enraizado na rejeição dessa busca. O historiador Alister McGrath nota que o termo “evangélico”, que tem circulado na Cristandade por séculos, tomou o seu sentido peculiar moderno apenas no século 20, com a fundação da Associação Nacional de Evangélicos (1942). Essa sociedade foi formada para permitir ações públicas coordenadas da parte de diferentes grupos que concordavam sobre o “novo nascimento”, mas discordavam sobre quase tudo o mais. (10)

Um Calvinista descobre o Catolicismo

Eu cresci crendo que o Evangelicalismo era “a fé uma vez por todas entregue aos santos”. Eu aprendi pela história da Igreja Protestante que ela era dificilmente mais velha que Whitefield, e certamente não era a fé dos Reformadores Protestantes. O que fazer? Deveria eu voltar ao século 16 e me tornar um autêntico calvinista? Eu já sabia que Calvino mesmo, por toda sua insistência em unidade e autoridade, tinha sido incapaz de prover essas expectativas. Seus próprios seguidores descenderam em anarquia e individualismo.

Eu percebi que Calvino era parte do problema. Ele tinha insistido na importância da unidade e autoridade, mas tinha rejeitado qualquer base racional ou consistente para aquela autoridade. Ele sabia que a Escritura totalmente sozinha, a Escritura interpretada por cada consciência individual, era um receita para o desastre. Mas sua própria reivindicação de autoridade era perfeitamente arbitrária. Sempre que ele era desafiado, ele simplesmente apelava para sua própria consciência, ou sua experiência subjetiva, mas negava esse direito a Bolsec e outros. Como resultado, Calvino tornou-se orgulhoso e censor, brutal com seus inimigos e intolerante à dissidência. Em todas as minhas leituras de Calvino, eu não me recordo dele jamais se desculpar por um equívoco ou admitindo um erro.

Eventualmente me ocorreu que a atitude de Calvino contrastava fortemente com o que eu encontrei nos maiores teólogos católicos. Muitos deles eram santos, reconhecidos por sua caridade heróica e humildade. Além disso, eu sabia, por lê-los, especialmente Santo Tomás de Aquino, Santa Catarina de Sena, Santa Teresa D`Ávila e São Francisco de Sales, que eles negavam qualquer autoridade pessoal para definir uma doutrina. Eles se submetiam humildemente e voluntariamente, até mesmo alegremente, a autoridade do Papa e dos Concílios. Eles podiam manter a ideia bíblica da unidade doutrinal (1 Cor 1,10) sem reivindicar serem a fonte daquela unidade.

Esses santos também desafiaram os esteriótipos sobre os católicos com os quais eu cresci. Evangélicos frequentemente afirmam que eles são os únicos que tem um “relacionamento pessoal com Cristo”. Católicos, com seus rituais e instituições, deveriam ser alienados de Cristo e das Escrituras. Eu encontrei em vez disso homens e mulheres que eram decididos em sua devoção a Cristo e inebriados por sua graça.

O teólogo católico que teve o maior impacto em mim foi Santo Agostinho de Hipona (354-430). Por toda minha vida eu ouvi a reivindicação de que a “Igreja antiga” tinha sido protestante e evangélica. Meus professores de seminário e até mesmo Calvino e Lutero sempre apontaram Santo Agostinho como seu grande herói da Igreja antiga. Quando eu finalmente mergulhei em Agostinho, contudo, eu descobri um catolicismo completo. Agostinho amava a Escritura e falou profundamente sobre a graça de Deus, mas ele as entendia em sentido completamente católico. Agostinho destruiu o último pedaço da minha visão evangélica da história.

No final, eu comecei a ver que tudo de bom sobre o Evangelicalismo já estava presente na Igreja Católica – o fervor e a devoção da espiritualidade evangélica, o amor pelas Escrituras e até mesmo, em algum grau, a tolerância evangélica pela diversidade. O Catolicismo sempre tolerou escolas de pensamento, várias teologias e diferentes liturgias. Mas, ao contrário do Evangelicalismo, a Igreja Católica tem um caminho consistente e lógico de distinguir o essencial do não essencial. O Magistério da Igreja, estabelecido por Cristo (Mt 16,18; 28,18-20), fornece aquela fonte de unidade que Calvino buscou substituir.

Uma das coisas mais satisfatórias sobre minha descoberta da Igreja Católica é que ela satisfaz completamente meu desejo de ser historicamente bem fundamentado. Eu comecei meus estudo de história crendo naquela continuidade de fé e tentando desesperadamente encontrá-la. Até mesmo quando eu pensei que a encontrei na Reforma, eu ainda tinha que lidar com o enorme abismo da Idade Média Católica. Agora, graças ao que Calvino me ensinou, não há mais conexões perdidas. Em 16 de novembro de 2003, eu finalmente abracei a fé “uma vez por todas entregue aos santos”. Eu entrei na Igreja Católica.

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  1. “O Consistório de Genebra, 1559-1569,” Bibliothèque d’Humanisme et Renaissance 38 (1976): 467-484.
  2. Carta para a Madame de Cany, 1552.
  3. Instituição da Religião Cristã, ed. J. T. McNeill, trans. Ford Lewis Battles. Philadelphia: Westminster Press, 1960: 3.2.3, 4.3.4.
  4. Instituição 4.12.9.
  5. Instituição 4.17.32.
  6. Instituição 4.17.17; 4.17.19.
  7. Cartas de João Calvino, trans. M. Gilchrist, ed. J.Bonnet, New York: Burt Franklin, 1972, I: 110-111.
  8. Cambridge: Harvard University Press, 1994.
  9. Cited in Mark A. Noll, The Rise of Evangelicalism: The Age of Edwards, Whitefield and the Wesleys. Downers Grove: IVP, 2003, 14.
  10. Evangelicalism and the Future of Christianity. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1995, 17-23.