Na última sexta, 11/05, dei uma palestra sobre Nossa Senhora numa comunidade católica da cidade. A palestra estava prevista para iniciar-se às 20:30. Antes dela, porém, uma jovem conduzia a oração do Terço. As demonstrações de piedade e devoção durante a oração fizeram-me dar a palestra com uma alegria maior que a usual.  Alguns dias antes do evento, convidei um amigo, do qual tenho muito respeito, para assist-la. Imaginei não somente que ela lhe seria útil, quanto que talvez pudesse haver um breve momento em que poderíamos jogar conversa fora. Chegando perto do momento, procurei, pelo olhar, meu amigo e, sem sinal de sua chegada, pedi que minha esposa ficasse atenta caso ele ligasse.

A palestra enfim começou. Ela foi dada debaixo de uma espécie de marquise, diante de cerca de 30 fileiras de cadeiras, no total, em que, para se chegar ao local, era necessário descer alguns tantos degraus. Passaram-se alguns poucos minutos até que vi, descendo a escada e sentando na última cadeira, aquele meu amigo mencionado. Quando notei, fiquei um pouco desconcertado e um tanto relaxado, afinal não precisava mais me preocupar sobre sua chegada.

As coisas correram bem. Julgo até que foram além das minhas expectativas. Foi possível inclusive adentrar em assuntos mais difíceis, como o dogma da predestinação. Terminada a palestra, fui ao encontro de minha esposa e esperei por alguns minutos antes de sair. Na saída, pude enfim ser saudado pelo meu convidado e iniciar uma breve conversa. Já eram 22:00 horas, ou quase.

Conversa vai, conversa vem, já perto do fim, eu digo: “Então, meu caro, vamos ver se marcamos algo essa próxima semana”. Ele sorriu e disse: “vamos, mas eu duvido que você vá”. Imediatamente pensei: “Opa, há algo errado aí”. De fato, por três vezes, mais ou menos, ele havia convidado o Sr. e a Sra. Toné para visitar sua casa. Em todas as três vezes, estou certo, se deram fatos que prejudicaram nossa ida. Mas isto não vem ao caso: três convites, de fato, eram muitos.

Aquelas palavras não saíram mais de minha cabeça. O mais incrível, contudo, não foi aquela frase. O mais extraordinário foi saber, na manhã do dia seguinte, que ele havia sofrido um acidente, às 4 da manhã, por conta de um buraco na via, e que tinha permanecido num posto de gasolina, na perigosíssima Fortaleza, com dois pneus furados e com os aros empenados. Fiquei sabendo disto não por ele ter me falado, mas por ter lido em seu Facebook o relato. Ao final de seu texto, ele comenta sobre um amigo dele:

“Agradeço ao […], meu irmão, que saiu de casa no meio da madrugada e me ajudou sem reclamar. Eu precisei e você veio. Como sempre”.

“Eu precisei e você veio” e “eu duvido que você venha”. A amizade e o seu inverso.

Santo Tomás de Aquino descreve o amigo como aquele que quer o que eu quero e rejeita o que eu rejeito. Neste sentido, posso dizer que tenho alguns poucos amigos.

Há, contudo, outra característica própria da amizade, que a Escritura faz questão de ressaltar: a fidelidade. Deus diz: “o amigo fiel não tem preço” (Salmo 6,15). Diz que ele “ama em todo o tempo” (Provérbios 17,17). Diz ainda: “o amigo fiel é uma forte proteção; quem o encontrou, deparou um tesouro” (Eclesiástico, 6,14). E mais: “o amigo fiel é um bálsamo de vida e imortalidade” (Eclesiástico 6,16).  A Escritura parece pressupor os dizeres de Santo Tomás e acrescentar este último dado da fidelidade.

E hoje, com exceção da minha família, contando meus sogros e cunhados, e da minha santa esposa, quantos amigos posso dizer que tenho, quando acrescento esta última característica? Difícil dizer. Talvez zero. Não por menos que a Escritura diz: “quem o encontrou, deparou um tesouro”. Portanto, Deus mesmo diz que achar um amigo assim é dificílimo. É necessário seguir não só a descrição de Santo Tomás, como também um esforço por “amar em todo o tempo”: um trato constante, um sacrifício pelo outro constante, e uma abertura de almas sincera, e um comprazer-se no bem do outro, e um servir ao outro como referência. Dizer, como o professor Olavo uma vez fez falando do Bruno Tolentino, que jamais abandonará seu amigo, não importando o que ele fizesse.

Relembrei-me então de todas as vezes que perdi amigos por falta de fidelidade. Todas as vezes por “minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa”. Para citar dois exemplos apenas, recordo-me que em 2007 eu perdi a minha melhor amiga, simplesmente desaparecendo e não dando mais notícias. Por volta deste mesmo ano, perdi meu melhor amigo pelo mesmo motivo. Inclusive ele acabou de completar mais um ano de vida neste último dia 12/05.

Acredito que ter a consciência de meus erros passados e ter sofrido com resignação suas consequências me amadureceu. De fato, desde de 2017, ou talvez 2016, todos os dias da minha vida foram iniciados com a seguinte oração: “Meu Deus, faz-me fiel, ajude-me”. Digo várias vezes para minha esposa: “eu só quero ser fiel, nada mais”. Hoje, a ideia da infidelidade, seja nos meus compromissos, e nas amizades (que se enquadram naquela primeira parte, referente a Santo Tomás), e nos meus deveres, e na oração, é insuportável, causa-me repugnância. Tornou-se motivo de pedir perdão a Deus com fervor se sou infiel em algum dever, mesmo pequeno.

Sendo a amizade isso que tratei, e o seu inverso o que hoje eu luto com todas as forças para não ser, só posso renovar minha esperança na promessa de Deus que diz, logo depois de “o amigo fiel é um bálsamo de vida e imortalidade”, que “os que temem o Senhor acharão um tal amigo”. Em Deus portanto está minha esperança. Dentro ou fora daqueles amigos que já tenho e mencionei, cedo ou tarde, sem necessidade de nenhum temor, ele será achado: eis uma promessa certa.